Lembro-me como se fosse ontem das manhãs frias de inverno na aldeia. A geada cobria tudo com aquele brilho gelado que tornava até o simples acto de sair da cama um desafio digno de um herói. Mas havia magia nesses dias. As conversas junto à lareira, o cheiro do pão acabado de cozer e as histórias repetidas pelos mais velhos enchiam o ar de uma familiaridade acolhedora. Hoje, ao revisitar a aldeia, percebo que o compasso das estações continua o mesmo, mas a melodia mudou.
Na primavera, o campo renascia. Era o tempo das flores e das abelhas. A Tia Rosinda, a “botânica autodidacta” da aldeia, garantia que qualquer erva tinha poderes curativos. “Chá disto cura tudo, menino”, dizia, oferecendo-me um ramo de algo que cheirava vagamente a relva molhada. Atualmente, os campos ainda florescem, mas o entusiasmo da Tia Rosinda deu lugar a cartazes de “Terrenos à venda”. A primavera parece ter perdido parte da sua inocência.
O verão, ah, o verão! Era o tempo dos serões na praça, das melancias fresquinhas e do som da concertina que ecoava pelas ruas. O Senhor Amadeu, sempre com o boné a tapar o que restava do cabelo, liderava os cantares com um entusiasmo que fazia esquecer os ensaios desafinados. Agora, o verão traz festivais esporádicos organizados por uma junta dinâmica, mas com um público dividido entre turistas curiosos e locais saudosos do passado.
O outono, talvez a minha estação preferida, chegava com os seus tons quentes e a promessa de castanhas assadas. O vento trazia consigo folhas dançantes e o cheiro das primeiras chuvas. As vindimas eram uma festa – e também uma desculpa para os miúdos andarem com os pés no lagar. Hoje, as vinhas continuam lá, mas a tradição já é um misto de máquinas e histórias para turistas que querem “experiências autênticas”.
O inverno, por fim, fechava o ciclo, lembrando-nos que tudo termina para recomeçar. Mas, enquanto antigamente o silêncio invernal era quebrado pelo estalar da lenha e pela gargalhada de uma vizinha que entrava sem avisar, agora é o som de motores de carros citadinos que domina.
A aldeia mudou, como tudo muda. Mas, por entre o novo e o antigo, algo permanece intocável: o ritmo das estações continua a marcar o compasso das nossas vidas. Talvez não seja só a aldeia que mudou; talvez sejamos nós, com o nosso olhar mais apressado e menos atento. Mesmo assim, gosto de pensar que a aldeia estará sempre ali, à espera de quem queira ouvir a sua música.
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