Partir de Lisboa rumo ao interior é mais do que uma simples deslocação no mapa. É como mudar de estação de rádio: deixamos para trás o ruído dos debates urbanos e sintonizamos um silêncio que, de início, parece estranho. Mas, aos poucos, é esse mesmo silêncio que nos acolhe. Foi numa dessas viagens, com o porta-bagagens cheio de expectativas e a playlist cuidadosamente escolhida, que redescobri o cheiro da terra.
Ao cruzar os limites da cidade, a paisagem começa a transformar-se. As filas de carros cedem lugar às árvores alinhadas, como se estivessem a fazer uma guarda de honra para quem decide abrandar. O ar, antes carregado de gasolina e pressa, ganha notas de eucalipto e de qualquer coisa que só consigo descrever como “tempo”. É curioso como o simples acto de sair da cidade nos obriga a desacelerar — primeiro o carro, depois a alma.
O interior tem um ritmo próprio. Nas aldeias por onde passei, as pessoas acenam como se nos conhecessem desde sempre. E talvez conheçam. Afinal, há qualquer coisa de universal na partilha de um olhar que não espera nada em troca. Passei por cafés onde o tempo parece estar congelado, com senhores a jogar à sueca e a discutir se vai chover ou não. Spoiler: para eles, está sempre para chover.
Mas o que mais me marcou foi o cheiro. Há qualquer coisa quase mágica no aroma da terra depois de uma chuva miudinha, como se a natureza respirasse de alívio. Não é um cheiro que se encontra nos parques de Lisboa, mesmo nos mais bonitos. É o cheiro de algo genuíno, sem maquilhagem.
A viagem, claro, não foi só contemplação. Perdi-me umas três vezes porque, nas estradas do interior, nem o GPS sabe muito bem para onde vai. Mas descobri que perder-me era parte da experiência. Cada curva trazia uma surpresa: uma igreja esquecida pelo tempo, um campo de girassóis que parecia não acabar, ou uma velhinha a vender mel junto à estrada.
Regressei a Lisboa com o cheiro da terra entranhado na roupa e uma certeza no coração: o interior não é só um destino. É um estado de espírito. E, se há algo que Lisboa nunca poderá oferecer, é essa sensação de que o mundo pode esperar enquanto descobrimos o prazer de respirar devagar.
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